quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Reconciliação




Estão feitas as pazes.
A sumptuosa Leffe reconquistou o seu lugar.
Como se previa, aliás.
Era obviamente uma questão de tempo.
Bastou um convite irrecusável, uma mesa no "fonteluz", uma companhia improvável e um jogo de futebol, para o meu pobre coração sucumbir sob o corpo voluptuoso do néctar da Abbaye de Leffe.
A cerveja era basicamente a mesma que me decepcionou no Le Roy d'Espagne.
Mas em vez da solidão da noite de Bruxelas, a conversa enchia ontem a mesa.
Em vez da bela Grand'Place, o golo de Anelka iluminava o meu coração vermelho.
Em vez da véritable stoemp Bruxeloise, um garboso prego no prato confortava o meu estômago.
Em vez da fria noite Belga, um delicioso cigarro de ocasião. 
E Leffe. Muita Leffe.
Era uma questão de tempo, já o sabia...
Tempo bastante para um surpreendente encontro.
Tempo suficiente para chegar da rive droite de la Meuse até ao meu pobre coração...

Pedro Rui
Matosinhos, 26 de Novembro de 2009

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Le Roy d'Espagne

Surpreendido, olho desencantado para a Leffe Blonde que jaz na mesa da esplanada do Le Roy d'Espagne.
Cheguei à Grand Place, nesta noite chuvosa, ansioso por saborear a minha cerveja favorita.
Inalcançável na sua perfeição, insuperável no seu corpo.
Olho agora para o copo com uma inexplicável decepção.
A cerveja está como sempre a conheci. Encorpada, saborosa e com a sensual cor de caramelo.
Porque penso então na Jupiler que alegrou a minha mesa em Liège?
Leve, de subtil sabor e cor insípida.
Porque suspiro por ela?
A Leffe, quero crer, não resistiu à elevada exigência de ser a minha eterna preferida.
Sucumbiu, esmagada pelo esplendor do Hotel de Ville.
A Jupiler, pelo contrário, galgou a ausência de expectativa, superou a simplicidade da Place du Marché e usou com mestria as artes da surpresa.
E assim se tornou a minha nova paixão.
Não durará muito, já o sei.
Voltarei à Leffe, estou certo.
Mas hoje, a mítica Blonde sucumbiu aos pés da efémera Jupiler.
Não resistiu à surpresa.


Pedro Rui
Bruxelas, 2 de Outubro de 2009

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

As Ouhès


Pensamos que sabemos tudo de cerveja, mas acreditem: não sabemos nada.
Bebemos um chopp do Albano’s, e sentimo-nos sábios.
Saboreamos um fino na Galiza, e julgamo-nos omniscientes.
Mas não, não sabemos nada.
A suspeita chegou com o primeiro trago da bière pression que me servem no As Ouhès em Liége.
A dúvida chegou com o segundo copo, que sucedeu a fameuse soupe à l’oignons gratinée.
A certeza chegou, dourada, acompanhando os saborosos boulets à la Liègeoise.
Não sabemos de nada.
Aqui joga-se outro campeonato.
Não se goleia o Setúbal. Joga-se a Champions League.
Não admira pois que o Anderlecht esteja à frente do Manchester United no famoso ranking da IFFHS.
E, se dependesse de mim, também o Standard Liège estaria bem no topo desse ranking.
De todos os rankings aliás…

Pedro Rui
Liège, 30 de Setembro de 2009

http://www.as-ouhes.be/
http://www.albanos.com.br/
http://www.cervejariagaliza.com/

domingo, 30 de agosto de 2009

Bahia

Chegado ao alto de Tatuapara, percebo as razões que levaram Garcia d'Ávila a edificar a "torre singela de São Pedro de Rates", base para o que viria a ser um imenso império.
A paisagem, deslumbrante e esmagadora, não deve ser consideravelmente diferente da presenciada pelo filho de Tomé de Sousa. Mata atlântica a perder de vista e o imenso mar da Bahia. Micos, bem-te-vis e urubus comparecem hoje, como nesse distante 1551.
E a pesada humidade Baiana quase nos permite vislumbrar, completa e majestosa, a que viria a ser chamada Casa da Torre em todo o seu esplendor.
A saga baiana de Garcia d'Ávila iniciara-se dois anos antes, quando chegara à Baía de Todos os Santos com Tomé de Sousa, sendo nomeado por este,Feitor e Almoxarife de Salvador.
A minha tinha começado há dois dias na mesma cidade.
As dificuldades da capital não são coisa nova.
Se no Sec. XVI o frágil equilíbrio com os índios e as pretensões Francesas tornavam a vida na cidade pouco segura, a pressão urbanística, a degradação evidente do centro e a invisível mas omnipresente violência, inibem incursões fora do limitado circuito turístico.
Circuito que no meu caso começou pelo edifício inaugurado em 1861 como Alfândega, hoje Mercado Modelo que exibe inúmeros artigos de artesanato para venda. Alberga também dois restaurantes onde me deleitei com um soberbo e muito baiano caruru com xinxim de galinha. Confortado o estômago, é hora de subir à parte alta da cidade, usando para tal o elevador Lacerda. Útil e elegante, com o aspecto art-deco conferido pela construção da segunda torre em 1930.
Na cidade velha, guiado através de ruas tipicamente coloniais, chega-se ao emblemático largo do Pelourinho, local central, coração da cidade, escolhido por Tomé de Sousa para centro da nova capital do Brasil.
A vista do casario em direcção à Igreja de Santa Bárbara dá-nos talvez a melhor imagem de como seria Salvador no passado.
Terminada a breve visita, é tempo de regressar ao nível do mar, tomando agora o plano Gonçalves, funicular datado de 1874 exemplarmente preservado que serve o propósito na perfeição.
Vista a capital, é tempo de rumar ao Norte, seguindo os passos de Garcia d'Ávila quando deixou Salvador para assumir a imensidão de terrra que Dom Sebastião concedeu ao primeiro Governador Geral do Brasil, seu protector ou mesmo pai, que lhas repassou.
Seguindo pela Estrada do Coco, o urbanismo selvático fica para trás, dando gradualmente lugar à serena paisagem da costa da Bahia.
E a praia do Forte não é excepção.
Ocupação discreta, urbanismo integrado, natureza envolvente e exuberante são características deste vilarejo.
E, claro, a proverbial tranquilidade baiana.
Com esta combinação, os dias fluem sem que se dê por isso.
Embalados pela quente água do Atlântico que banha as belas praias ladeadas pelos coqueiros.
Deslumbrados beleza das piscinas naturais formadas nos corais durante pela maré baixa.
Condimentado pelo omnipresente azeite de dendê que alegra as tradicionais moquecas e o divino bobó.
Surpreendidos pelos inúmeros e descontraídos surfistas de palmo-e-meio que se aventuram no mar, logo que terminam as aulas.
Sensibilizados pelo exemplar Projecto Tamar, de protecção às Tartarugas marinhas.
Foi esta combinação que me deu a certeza de estar finalmente na Bahia.
Na Bahia como a vejo.
Como Garcia d'Ávila a encontrou.

Senhora da Hora, 31 de Agosto de 2009


domingo, 2 de agosto de 2009

Lisboa, roteiro pessoal para terminar um dia de trabalho...

Ao quarto dia de trabalho insano neste meu desterro à beira Tejo, pude finalmente dar-me ao prazer de vaguear por Lisboa.
Sem rumo, com a minha fiel Fuji como companhia.
E para garantir o sucesso da aventura que se inicia, cumpro invariavelmente um ritual pessoal, nas Portas de Santo Antão:
Ginginha com elas no Eduardino, seguida de uma visita à Ginginha do Rossio. Mera formalidade, que serve apenas para constatar que o licor do Eduardino continua melhor. Por isso, há que voltar ao primeiro balcão para fechar em beleza a degustação.
Bebido o último trago, cuspido o último caroço, é hora de escutar as Tágides e rumar ao Mar da Palha.
Atravessando a bela e elegante baixa Pombalina, ignorando os vendedores de haxixe e entrando no Terreiro do Paço pelo esmagador arco da Rua Augusta.
Chegado ao mágico Cais das Colunas, não há como resistir ao apelo do Tejo, feito mar prateado neste fim de tarde.
E, seduzido pelo embalo das águas, sento-me largos minutos nesse chão que o rio beija.
Mas, ainda que contra a sua vontade, o Sol tem que deixar a cidade branca.
Caminho em direcção à Sé, antes que o dia se vá.
Apressadamente passo pelo Campo das Cebolas, resistindo ao chamamento de um prato de caracóis e uma imperial, antes de subir a essa majestosa fortaleza de Santo António.
Agora que o astro-rei passou já além do Bugio, é tempo de regressar.
Para uma açorda alentejana nesse improvável recanto que é a Casa do Alentejo.
E, enquanto acabo a doce charcada, penso se o Eduardino ainda estará aberto, para uma última ginginha antes de regressar ao hotel…

Pedro
Lisboa, 16 de Julho de 2009